sábado, 31 de março de 2012

Vidas Secas

Agachada Sinhá Vitória assopra o fogo de lenha e uma nuvem cinza devido a fumaça cobriu-lhe a cara, a fumaça entrou em seus olhos fazendo com que chorasse e limpasse suas lágrimas com as costas das mãos. As faíscas do fogo bateram em Baleia, que estava tirando um cochilo, mas consequentemente acordou devido à mudança do ar e o estalo dos gravetos. Baleia se encantou com as faíscas aprovou com a cauda e resolveu demonstrar sua admiração para a dona que acabou dando-lhe um pontapé fazendo com que a cachorra saísse humilhada e com sentimentos revolucionários.

Sinhá Vitória falou inconveniências para Fabiano por causa da cama de varas, que tanto queria. Fabiano apenas grunhiu, deitou-se na rede e foi dormir afinal para ele mulher era bicho difícil de entender. Sinhá Vitória continuou enfurecida saiu procurando algo para descontar, mas estava tudo em ordem, então se queixou da vida e acabou dando mais um pontapé em Baleia.

Olhou os meninos pela janela e estavam brincando na lama ambos sujos não encontrou motivo para repreendê-los. Pensou novamente na cama de varas e mentalmente xingou Fabiano. Achava um absurdo dormir naquilo, já haviam se acostumado, mas porque não tinham uma cama de lastro de couro (que era bem mais agradável) como as outras pessoas?

Mais de um ano que falava nisso para Fabiano, ele concordara mais sempre fazia cálculos errados tanto para o couro quanto para a armação. Poderiam conseguir se economizassem na roupa e no querosene, para Sinhá Vitória isso era impossível já que se vestiam mal e os meninos andavam nus. Tinham discutido para cortar outras despesas da casa, mas não se entenderam e Sinhá Vitória mencionou o dinheiro gasto por Fabiano na feira com jogo e cachaça. Fabiano ressentido reclamou dos sapatos caros de verniz que Sinhá Vitória usava em festas dizia que ela andava como um papagaio e ficava ridícula ao calçá-los. Devido a esse comentário fez com que ela ficasse gravemente ofendida com a comparação e se não fosse o motivo que Fabiano lhe inspirava, teria continuado a discutir aquilo. Equilibrava-se mal, tropeçava. Devia ser ridícula, mas a opinião de Fabiano a entristeceu muito.

Agora pensava nela de mau humor. Julgava-a inatingível e misturava-a aos deveres da casa. Foi à sala pegou da prateleira o cachimbo e pele de fumo saiu para copiar Fabiano. Ouviu o chocalho e pensou que o marido poderia ter se esquecido de curar a vaca laranja. Quis acordá-lo para perguntar, mas se distraiu olhando os xiquexiques e os mandacarus em volta da campina.
Um calor se levantou da terra queimada. Lembrou-se da seca se assustou e seus olhos pretos se arregalaram, fez o máximo para afastar essa recordação por medo de se tornar realidade.  Rezou baixo e tranquilizada desviou a atenção para um buraco que estava na cerca das cabras. Concertou o buraco com as mãos e a pele de fumo e voltou para a cozinha.

Acendeu o fogo agachada e pôs-se a fumar um cachimbo de bambu. Deu um cuspe para longe que por cima da janela caiu no terreiro. Preparou-se para cuspir novamente e associou o cuspe com a recordação da cama de varas. Se o cuspe alcançasse o terreiro ela teria a cama em antes do fim de ano, não conseguir e tentou mais algumas vezes tentativas fracassadas. E a consequência foi ficar com a garganta seca e ficou desapontada. Pegou uma caneca e bebeu a água salobra.

Lembrou-se que a panela que estava no fogo não estava temperada e tinha acabado a água do bebedouro. Levantou a tampa e levou baforada do vapor na cara e ia deixando a comida queimar. Pôs agua remexeu e adicionou o sal na panela. Pensou no bebedouro, veio o medo da seca. Olhou novamente os pés espalmados que não se acostumava a calçar sapatos e lembrou-se do que Fabiano dizia a respeito dos pés de papagaio e se zangou.

Recordou-se do papagaio que viajava com ela em cima do baú de folhas e repetia o latido de Baleia Gaguejava “meu louro” era o que sabia dizer fora imitar os bichos. Coitado. Sinhá Vitória nem queria ter lembrado daquilo esqueceu a vida antiga e sentia-se como se sua vida houvesse começado quando chegou à fazenda. A citação dos sapatos lhe abriu uma ferida e viajem voltou a reaparecer. As alpercatas de Sinhá Vitória haviam sido gastas nas pedras, com o baú de folhas na cabeça, carregava o filho mais novo, com fome, cansada, meio morta e ainda levava a gaiola do papagaio pensou que Fabiano era ruim e mal-agradecido.

Olhou para seus pés novamente e sentiu pena do louro, pois o matara para o sustento da família. Chegou á porta, olhou as folhas amarelas da catingueira e pensou que Deus não poderia permitir outra desgraça. Procurou outras coisas para entreter-se. Pegou a cuia grande, encheu de água o caco das galinhas e colocou os meninos para dentro de casa, os xingou de porcos e quase que dizia que estavam sujos como papagaios. Os garotos correram e foram para debaixo da prateleira do quarto. Sinhá Vitória reacendeu o cachimbo. Pensou que seca estava longe.

Começou a sonhar de novo com a cama de lastro de couro, lembrou-se do papagaio e com grande esforço tentou isolar o pensamento com o objeto que tanto queria. A cama velha feita de varas havia um nó, um calombo grosso na madeira. E ela se encolhia num canto, o marido no outro, não podiam estirar-se no centro. Para Sinhá Vitória a família era quase feliz só faltava uma cama. Pensou em vender as galinhas e a marrã para conseguir comprar a cama, mas lembrou-se que a raposa comeu a galinha mais gorda. Queixava-se dos roncos de Fabiano e da cama velha de varas que tinham e voltou seu pensamento a cama queria igual à de Seu Tomás da Bolandeira feita pelo carpinteiro de couro e sucupira aquilo sim era uma cama de verdade.

Sinhá Vitória, como é notável deseja totalmente uma cama de verdade, sonha com várias maneiras de consegui-la, mas não põe nenhuma em prática por temer a reação de Fabiano. Ela deseja tão profundamente essa cama que parece ignorar o fato de ter dois filhos e pensar no futuro deles, ou seja, ela está sendo totalmente egoísta. Esse sonho que ela tem, ela considera impossível de realizar, pois não luta para conseguir.

O fato de Sinhá Vitória desejar esse móvel mais do que qualquer coisa não é nada diferente de muitos brasileiros de hoje em dia, que sonham com coisas consideradas por essas pessoas “impossíveis”, pois não lutam para conseguir realizar.

A culpa consequentemente é tanto do governo que faz com que as pessoas vejam seus sonhos como algo irrealizável e impossível de ser conquistado, quanto das pessoas que acreditam que apenas reclamam e não lutam, não tomam uma atitude e postura decente para que realize o desejado esperando então que tudo venha fácil. Graciliano Ramos aborda em suas obras, as situações típicas vividas pelas pessoas até hoje.




E.E. Prof Caran Apparecido Gonçalves


Karyne Schiavoni 3 ºr D